21/01/2011 -
Por Arthur Virmond de Lacerda Neto
Da
mesma forma como, no andar dos tempos, alteram-se os costumes e os
valores, também se modificam o sentido e o uso de certas palavras.
Assim, por exemplo, o verbo assistir, em seu sentido primevo,
correspondia a residir, morar, habitar: “Assisto em Curitiba” equivalia a
“Resido em Curitiba”; o adjetivo gerais significava, no século 18,
distantes, de onde as Minas Gerais, ou seja, os filões distantes. O
substantivo tratante significava comerciante, mercador, ao passo que,
hodiernamente, aponta para o prestador de serviços impontual ou
incorreto.
Outros vocábulos adquiriram conotação depreciativa, a
exemplo de polonês (quando o correto é polaco), de traste (que significa
objeto de uso doméstico) e de veado que, nominando um animal, indica,
em Portugal, o marido traído e, no Brasil, o homossexual (ao passo que o
equivalente português de veado é paneleiro).
Cuida-se de termo
de elevado teor preconceituoso e pejorativo. Irrogá-lo a alguém importa
em ofendê-lo de modo tão mais grave quanto mais intensa a homofobia de
quem o profere ou de quem o recebe.
Dantes, contudo, parece não haver sido assim, pelo que sugere uma passagem dramatúrgica de Antonio José da Silva.
Alcunhado
de “o judeu”, Antonio José da Silva era brasileiro, natural do Rio do
Janeiro, onde nasceu em 1705, filho de pais adeptos do judaísmo e
cristãos-novos, ou seja, descendentes de judeus convertidos aos
cristianismo, em uma época em que professar-se o judaísmo subalternizava
socialmente os seus praticantes, em Portugal, na Espanha e na restante
Europa, de que constitui exemplo a ordem emitida em 1713 por D. João V
de que todos os hebraizantes residentes no Brasil deveriam ser
encarcerados pela Inquisição, em Lisboa.
Disto resultou a
transferência de Antonio da Silva para aquela cidade e, depois, para
Coimbra, onde matriculou-se em Direito Canônico. No ano de sua
formatura, 1726, a Inquisição prendeu-o e, submetendo-o a tormentos,
despedaçou-lhe alguns dedos.
Conhecido pelo seu talento poético,
advogava em Lisboa e produzia peças teatrais, de que a primeira
correspondeu à “História de D. Quixote”, estreada em 1733, seguida, no
ano seguinte, por “Esopaida” e, em 1734, pela exitosa “Os encantos de
Medéia”. Seguiram “O labirinto de Creta” (em 1736) e “Guerras do
alecrim” (1737).
Denunciado por uma sua escrava por guardar o
sábado e, portanto, professar o judaísmo, foi novamente encarcerado pela
inquisição e condenado à morte. Garroteado em auto de fé realizado em
1739, queimou-se-lhe o cadáver imediatamente a seguir.
Na
“Esopaida”, o personagem escravo Esopo dirige-se à mulher do seu senhor
por estes termos: “Já que me puxa pela língua, deixe-a agora comigo.
Parece muito mal. Senhora Eurípides, que vossa mercê se agaste com o
senhor seu marido, por lhe comprar um escravo feio. Pois que queria?
Queria um servo gentil-homem para ficar cativa dele? Queria um rapagão,
roliço, alvo e louro, olhos azuis, com o corpo à inglesa e pernas à
francesa, para que logo meu senhor com tal escravo ficasse veado?”.
http://www.revistaladoa.com.br/website/artigo.asp?id=17345&cod=1592&idi=1&xmoe=84&moe=84
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