Religião e Homossexualidade
Ontem eu li um poste da Lola Aronovich intitulado “Assim me diz a Bíblia“,
no qual me deu vontade de compartilhar um episódio que ocorreu comigo e
minha sobrinha de 4 anos – que no episódio tinha 3. Porém, ao enviar o
comentário, apareceu a mensagem de que ela não foi enviada por ter mais
de 4.000 caracteres, cortei uma parte, tentei resumir mais, mas ainda
assim aparecia a mensagem de que tinha mais de 4.000 caracteres. Então
pensei: “oras, se tem tantos caracteres assim, farei um post em meu
blog!” – E cá estou para contar-lhes uma história e lhes sugerir a
leitura do texto de Lola.
Há
alguns dias, talvez semanas já, minha sobrinha mais velha (tenho mais
uma sobrinha e um sobrinho bebês) de então 3 aninhos de idade (a idade é
importante, lembre-se dela!) estava mexendo no YouTube e vendo clipes
de músicas americanas e descobriu a Katy Perry através do clipe Firework
– ela também curte Justin Bieber, Black Eyed Peas, Avril Lavigne,
Chiquititas, Restart, Marisa Monte, entre outros, que nós apresentamos
para ela, assim como fazemos com vários estilos de músicas, mas é ela
quem escolhe as que gostou ou não, não importando o quanto a gente diga
que esta é ruim ou aquela é boa – pois se fosse, ela adoraria Mariah
Carey por minha causa!
Mas voltando ao clipe em questão, Firework, recomendo também que leiam a letra (aqui a tradução), pois o clipe – um dos poucos – é totalmente construindo em cima da letra.
Nele,
aborda-se questões bem corriqueiras entre adolescentes e jovens como a
aparência, brigas entre pais, a sexualidade, o bullying etc. Tem uma
jovem acima do peso que tem vergonha de tirar a roupa e entrar na
piscina com os amigos em uma festa; tem um jovem triste em um canto de
uma festa porque se sentia ‘peixe fora d’água’ devido sua
homoafetividade – isso descobrimos depois, até então ele é apenas um
jovem triste num canto de uma festa.
Eis
que quando a Katy começa sua mensagem de que cada um de nós é importante
do jeito que é, que não devemos nos envergonhar disso e que devemos nos
mostrar como somos e sermos orgulhosos, e então o rapaz gay levanta e
caminha em direção a outro rapaz e o beija, e é correspondido – agora
parem tudo, pois aqui ocorre a parte mais importante de minha história!
Minha sobrinha – lembram a idade? – que estava assistindo esse clipe (e
eu estava vendo apenas para policiar o que ela estava assistindo por
razões óbvias e ainda não conhecia esse clipe da Katy Perry) sem muito
interesse até as faíscas saírem das pessoas e ela achar legal as pessoas
brilharem como fogos de artifício, ficou em choque, com olhos
arregalados e com uma expressão de total surpresa sem resquício de nojo
ou alegria ao ver uma cena de dois rapazes se beijando, e então ela vira
para mim, observando a minha reação e diz: “doi meninos se beijando!
Não pode…” - ainda aguardando o meu parecer para algo tão novo e no
qual já taxou como errado devido influências externas (ela adora
histórias de contos de fadas e da Barbie, e nem preciso dizer que em
todas essas histórias não há casais homossexuais, e ela nunca viu um
casal homossexual demonstrando afeto ao vivo e já viu inúmeros casais
heterossexuais se beijando em sua frente, portanto, já presumiu que não
era certo (e veja como faz toda diferença a reação/comportamento de um
adulto nessas horas – arrisco-me a afirmar que é decisivo), e a minha
reação foi neutra, pois para mim a cena não significava nada, seria a
mesma reação ao ver um casal heterossexual se beijando, e notei que isso
a deixou apreensiva – juro que ela ficou tensa! – e a cena já tinha
passado há tempos. Foi então que resolvi abordar o tema já escolhendo a
melhor forma de me fazer ser entendida devido sua curta idade. Primeiro
eu ri e então falei “ele gosta do rapaz e o rapaz gosta dele e querem
ser namorados, e namorados se beijam na boca” Sua reação foi rir e
indagar “mas menino pode namorar menino?” e eu respondi “sim, pode,
menino pode namorar menino ou menina, e menina pode namorar menina ou
menino, basta os dois serem grandes e gostarem um do outro dessa forma…”
Ela se deu por satisfeita com minha resposta e comentou nas outras três
vezes em que assistiu ao clipe seguidamente que os rapazes estavam se
beijando. Depois do choque, veio a dúvida, depois veio o graça, e então
veio a normalidade – sempre me observando na parte em que os rapazes se
beijavam – e me chamando nessa parte para que eu visse, caso não
estivesse ao lado dela.
Além
da questão dos rapazes gays, ela me perguntava sobre tudo que acontecia
no clipe “por que o menino está triste?” “Por que a menina está triste?”
Por que a mamãe está chorando?” Por que ele está descalço?” Por que
estão correndo?” “Por que sai luz deles?” etc e claro que respondo a
tudo de forma que ela entenda, meio superficialmente, pois na idade dela
ninguém se prende a detalhes demais. Ela sempre faz isso com todos os
clipes em cenas que ela não compreende, e faz isso nas primeiras vezes
em que vê o clipe, seguidamente. Depois que ela compreende o clipe, ela
passa a se concentrar na música e a tentar cantá-la, e depois parte para
outro, mas nos dias seguintes volta ao clipe recém descoberto.
Então,
no dia seguinte, ela quis ter a sessão YouTube dela, na qual
normalmente estou sempre presente, e pediu para por o clipe dos fogos da
Katy Perry. Dessa vez, na parte em que os meninos se beijaram, ela foi
até seu quarto e pegou dois bonecos dela – dois Kens – e fez os dois se
beijarem na boca “olha, se beijam como os dois meninos do filme” ela me
disse – novamente observando minha reação que foi a mesma referente ao
clipe, neutra. Eu balancei a cabeça e disse “é, eles estão namorando
também”.
A
partir daí, ela passou a pegar todas as bonecas e bonecos e formar pares
homossexuais e heterossexuais e me mostrava. As Barbies se beijavam e
ela dizia “meninas também podem?” – eu dizia “claro que sim, dois
adultos podem namorar se se gostarem, homem ou mulher, tanto faz” – devo
fazer uma adendo aqui, sou contra crianças namorando, ainda que saiba
que é inofensivo, sem qualquer malícia, mas acho que é contraditório
você achar lindinho uma criança de 3 anos namorando, quando acha que aos
10 não é apropriado ainda, pois gera a dúvida na criança: “como posso
ser nova(o) para namorar aos 10 se quando tinha 3 achavam lindo?” e não
gosto da sensualização precoce das meninas e dos meninos – mas isso é
tema para outra hora.
Agora,
lá em casa, nós vemos casais de todos os tipos em suas brincadeiras,
mas a maioria ainda é heterossexual e não vejo problema nisso, pelo
menos ela sabe que existem comportamentos diferentes desse e que são
normais também.
E qual a minha intenção com toda essa história? Se não ficou óbvia, esclareço.
Nós
somos produtos do meio também, e mesmo quando não falamos para uma
criança sobre o que é certo e o que é errado, ela toma os exemplos – os
comportamentos dos adultos e vai se moldando, quando ela tiver uma
atitude considerada inapropriada, certamente será por já ter visto
alguém fazendo isso ou por já tê-lo feito e não ter sido recriminada, da
mesma forma como ela formará conceitos sobre comportamentos errados e
acertados ao ver a reação dos que estão a sua volta diante destas
situações.
Minha
sobrinha, agora com 4 anos, acha normal ver um casal homossexual, como
também acha normal meninas e meninos brincarem com os mesmos brinquedos e
brincadeiras – pois já foi mostrado para ela que meninos e meninas são
iguais, com exceção da diferença biológica da vagina e do pênis, e que
podem brincar da mesma maneira, com as mesmas brincadeiras, portanto,
ela brinca desde casinha e com bonecas, até correr e pular com meninos e
brincar de lutinha e com espadas. Prefere vestidos e gosta de histórias
em que tenha ação, mas sabe que pode usar roupas tidas como masculinas,
e sabe que ela pode ser desde a inútil da princesa até a heroína, e até
mesmo intercala os papéis em suas histórias imaginárias – sendo que na
maioria das vezes, ela salva o príncipe – e agora até a princesa!!! Ela é
livre para ser o que quiser ser, ela já sabe disso, e quando tem alguma
dúvida, sempre fica atenta aos adultos que estão a sua volta – você nem
precisa falar nada, ela nota sua atitude diante de um acontecimento.
Perceba
como tudo influencia uma criança – se antes ela achava errado um
comportamento homossexual ou meninas brincarem com brinquedos de meninos
(e achar que existia essa diferença) – ela agora brinca e ainda
responde se alguém a recriminar.
Tenho mais uma história relcaionada a esse tema, mas essa foi relatada por minha irmã.
Ela
disse para minha irmã – mãe dela – que tem três namoradinhos – ela fala
isso rindo, sempre – minha irmã fala que ela não pode ter namorados
ainda, só quando crescer, mas pergunta quem são os namorados, ao que ela
responde três nomes da turma dela: dois meninos e uma menina. Minha
irmã diz para ela “mas a fulana é menina, por que não escolhe um dos
meninos apenas?” ao que ela responde prontamente “a tia Daniela disse
que pode” se referindo a ter tanto menino quanto menina como
namorado(a), ao que minha irmã retruca falando “mas só quando você for
grande e só pode escolher um “ – ela escolheu um menino – ela adora o
garoto, diz que ele é dela e que são príncipe e princesa e vão para um
castelo – olha aí a influência dos contos de fadas, ela não disse que o
que falei era errado. Depois minha irmã me contou esse caso e eu contei a
ela a história que envolve o clipe da Katy Perry – ela não faz objeção,
apesar de ser do time que diz que aceitaria se um(a) filho(a) fosse
gay/lésbica sem problema, mas que preferiria que fosse hetero por ser
mais simples (o que entendo, mas não concordo).
Talvez
seja importante esclarecer que somos brancas, de classe média,
heterossexuais e que ela é cristã – inclusive minha sobrinha estuda em
escola católica, pois minha família é católica em sua maioria, e a
pequena já aprendeu vários comportamentos sexistas em sua curta vida
nessa escola, mas eu sempre reverto a situação, com conhecimento da
minha irmã – apesar de discordarmos em alguns pontos, ela prefere que eu
aborde certas questões que ela não tem tato ou conhecimento necessário
para elucidar.
Alguns
familiares e pessoas próximas que souberam de toda essa história
acharam que eu não deveria dizer que não tinha problema um
relacionamento homossexual, e a maioria dessas pessoas se considera
“mente aberta” e não homofóbicas, que tem amigos e até familiares gays
etc, mas me parece que isso só vale com desconhecidos ou até certo
ponto, há um limite e se fosse uma delas que estivesse ao lado de minha
sobrinha quando ela ficou espantanda por dois rapazes se beijarem,
provavelmente teria feito algum comentário antipático em relação ao
comportamento – e agora me diga se ela estaria brincando com suas
bonecas e bonecos montando casais tanto hetero quanto homossexuais se
isso ocorresse? Claro que não, no mundo dela só existiram casais
heterossexuais, esse comportamento seria o único concebível e quando se
deparasse mais tarde com outro tipo de comportamento agiria
preconceituosamente – o que não a impediaria, ainda assim, de refletir
sobre a diversidade e observar que pessoas são diferentes em vários
aspectos e aprender a conviver com isso.
É
assim que vejo a questão da religiosidade também, sei que vão achar que
uma coisa não tem nada a ver com a outra, mas para mim tem o mesmo
princípio. Eu não percebo o plano espiritual ou divindade como algo
importante, e inúmeros conceitos religiosos me são absurdos e outros
tantos pura tolice, mas não viro para nenhum crente que conheç0 e
debocho ou recrimino sua opção de acreditar em tais coisas, muito menos
quero que ele deixe de acreditar em tudo isso e converso abertamente
sobre o tema se ele quiser, sempre o respeitando. Então exijo o mesmo
respeito.
Isto
se aplica também a nossa complexa sexualidade. Sou heterossexual e não
tenho problema com a homossexualidade, e entendo que pessoas não tenham
sido educadas para ver normalidade na homossexualidade – apesar de que
eu também não fui e nada me impediu de perceber que o fulano gay/a
fulana lésbica tem todo o direito de expressar o que sente da mesma
forma que eu, e que possui os mesmos deveres e direitos que eu,
inclusive o de respeitar e ser respeitado, simples assim – e sei que
algumas pessoas são educadas a pensar que é abominável, pecado etc(e
quem ensina isso? e por que acredita nisso?), mas somos seres humanos
pensantes(?), estamos sempre descobrindo coisas, já desmistificamos
vários mitos, e todos sabemos o que é respeitar, então não há como
aceitar que tantos religiosos (ou homofóbicos) se sintam no direito de
impedir que homossexuais exerçam seus direitos – concedidos desde o
nascimento – e desrespeitem um homossexual chamando-o anormal e doente,
que o agrida, bata, humilhe ou cerceie. Perversidade é perseguir,
condenar, humilhar e matar outros seres humanos e não amar ou sentir-se
atraído por pessoas do mesmo sexo.
http://danimontper.wordpress.com
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