Brutal assassinato de jovem por homofobia na Bahia
Dia 24/06, dois
irmãos gêmeos que caminhavam abraçados em Camaçari, Bahia, foram
brutalmente agredidos a socos, pedradas e facadas, até o assassinato de
um deles, por oito homens que alegaram tê-los associado a um casal gay.
José Leandro e José Leonardo, 22 anos, saíram do sertão de Pernambuco
para a Bahia em busca de trabalho, Leandro é ajudante de produção, o
irmão assassinado era operador de empilhadeira, os dois na mesma fábrica
de telhas. A namorada de Leonardo, 15 anos, está grávida de 3 meses. “Eu
acho que é a homofobia que está surgindo no mundo aí, que homem não
pode sair abraçado com outro homem, pai não pode abraçar um filho. Quero
que a Justiça vá até o fim.", essa declaração de Leandro, após sair
do hospital, é elucidativa para entendermos o quanto a homofobia é uma
opressão social que, além do ódio aos homossexuais, representa a resposa
violenta a qualquer forma de expressão de afetividade, carinho, de
amor, de solidariedade e de compaixão que possa existir entre
indivíduos, quando estes são do mesmo gênero.
Além desse caso - que alcançou repercussão nacional mais
pelo fato dos rapazes não serem homossexuais do que pela violência
homofóbica de fato, inclusive com a Ordem dos Advogados Brasileiros
(OAB) solicitando a participação do governo federal na apuração do
caso -, na mesma semana, dia 28/06 - Dia do Orgulho Gay - um adolescente
homossexual, Lucas, de 15 anos, foi empalado, teve os olhos arrancados
e, como recomendam alguns parlamentares brasileiros, “levou um couro” a
pauladas até a morte em Volta Redonda, Rio de Janeiro. Não é
coincidência que esse crime de ódio tenha acontecido no mesmo dia
(28/06) em que a Câmara de Deputados do Rio de Janeiro organizava uma
audiência pública para discutir um projeto de lei conhecido como projeto
de "Cura Gay", de autoria do deputado João Campos (PSDB), da bancada
evangélica, que visa legalizar a possibilidade do psicólogo emitir
julgamentos e tratar a homossexualidade de seus pacientes como
transtorno, em contraposição à resolução do Conselho Federal de
Psciologia de 1999.
Esses casos emblemáticos de assassinatos, ao serem
compreendidos no marco dessa ofensiva do Estado e de seus representantes
sobre o controle dos nossos corpos, evidenciam como não se tratam de
casos isolados, muito menos consequências de ações individuais, mas sim
do reflexo social de um Estado que, para existir enquanto tal, necessita
da reprodução da opressão de gênero e da normatividade sexual, e de um
governo, Dilma (PT), que às custas de manter o amplo leque de apoios que
permitem a sua governabilidade, rifa os direitos democráticos dos
setores oprimidos, abrindo espaços cada vez maiores para a ofensiva dos
setores homofóbicos e reacionários de sua base aliada. O veto ao kit
anti-homofobia, que, mesmo com muitos limites, possibilitaria um debate
sobre diversidade sexual dentro das escolas; a campanha e o compromisso
do governo em relação à manutenção da ilegalidade do aborto; o
empacamento na votação da inclusão de "orientação sexual e identidade de
gênero" sobre a lei que pune o preconceito, são somente algumas das
ações do governo que fortalecem esses crimes.
O Estado, para manter os interesses de lucro das grandes
empresas, precisa controlar os corpos dos indivíduos de forma a que
estes estejam objetiva e subjetivamente colocados à serviço da
exploração no bojo das relações de produção. É somente dessa perspectiva
que conseguimos entender a resistência política às mais tímidas
propostas de garantia de direitos democráticos e de autonomia sobre
nossos corpos. À mulher, o Estado criminaliza e mantem na ilegalidade o
aborto, ao mesmo tempo, não garante as mínimas condições para que uma
família pobre e trabalhadora possa criar umx filhx, pois não constrói
creches, restaurantes, nem lavanderias públicas. A afetividade entre os
homens é recriminada e punida pela repressão moral e agressões físicas,
entre as mulheres é incentivada somente enquanto sirva como objeto de
prazer para os homens. Os indivíduos que constroem sua sexualidade de
maneira distinta do padrão hetero são desde o início dessa construção
coagidos à clandestinidade, à vergonha, ao isolamento, à recriminação e,
cada vez mais, ao medo, os que rompem a barreira de assumirem sua
sexualidade para si e publicamente, acabam o fazendo o mais dentro da
norma possível: a normatividade da expressão, moral e valores sexuais
machistas, ainda que invertido o padrão hetero socialmente aceito.
A direita na ofensiva
Essa ofensiva dos governos e a garantia da impunidade
permitem que setores organizados da extrema-direita levantem a cabeça. A
situação de desenvolvimento da crise mundial, que coloca em xeque o
projeto histórico da burguesia com a União Européia e que começa a dar
mostras, na Grécia, das suas consequências sociais e políticas, como o
desmoronamento do centro do regime e o aumento das polarizações, reedita
períodos de maiores convulsões sociais, onde os questionamentos sociais
vêm atrelados aos questionamentos morais e ideológicos, especialmente
no âmbito da sexualidade. É nesse marco que devemos compreender a onda
de ataques homofóbicos no Brasil dos últimos 3 anos e nos demais países
da América Latina e da própria Europa.
Não podemos esquecer de Daniel Zamudio, jovem
homossexual chileno que foi torturado por 6 horas em março por uma
gangue neo-nazista, tendo seu corpo mutilado por bitucas de cigarro e
pedaços de vidro, suas pernas quebradas e sua cabeça apedrejada, o que
levou a sua morte. Desde o PTR – organização irmã da LER-QI, no Chile –,
saímos em uma enorme campanha pela punição dos assassinos de Daniel,
denunciando o governo e as instituições do Estado como principais
responsáveis na sustentação da discriminação mediante expulsões,
demissões, segregações, injerência moral da Igreja na educação pública,
na família, na educação sexual, nas leis como o matrimônio heterossexual
excludente e inclusive na proibição de troca de carícias entre pessoas
do mesmo sexo, que demonstram que persiste o conservadorismo e a
opressão herdadas da ditadura de Pinochet que tem sido sustentada pelos
principais partidos do atual regime, seja no governo dos herdeiros
diretos - a RN e a UDI, do atual presidente Piñera - seja da
Concertación, que dirigiu durante 20 anos a transição pactuada com o
regime pinochetista.
A Igreja sempre presente!
É emblemático o papel que cumprem as instituições nessa
reprodução. É desde dentro das igrejas, onde a sua moral sexualmente
repressora e machista invoca a autoridade divina para defender a
castidade, a subordinação da mulher ao homem e a heteronormatividade,
que surgem os casos mais aberrantes de pedofilia e abusos praticados e
encobertos pelos próprios padres e bispos, são com esses "valores" que a
Igreja se acha no direito de falar de moral e se intrometer no nosso
sexo? É uma hipocrisia deslavada essxs senhorxs defenderem que uma
família deve ser formada pela figura de um pai e de uma mãe para que a
criança possa ser melhor educada, quando cresce enormemente o número de
lares brasileiros sustentados por mães solteiras e, principalmente,
quando na realidade dos lares das famílias trabalhadoras, tanto o pai
quanto a mãe são obrigados a deixar horas e horas de suas vidas nas
fábricas e locais de trabalho em horas-extras e turnos rotativos e aos
finais de semana, não tendo tempo ao menos para ver xs seus/suas filhxs
crescerem.
Desde o PTS – organização irmã da LER-QI, na Argentina
–, fomos parte da enorme luta da comunidade LGBTTI pelo matrimonio
igualitário e a lei de gênero, com uma enorme campanha para que fosse
assegurada a igualdade de direitos e que os "valores familiares" não
fossem utilizados para discriminar ainda mais xs homo e transsexuais.
Como marxistas revolucionários entendemos a legislação da união entre as
pessoas como um contrato que assegura a propriedade doentia do homem
sobre a mulher e dos pais sobre os filhos e lutamos por uma sociedade
livre das cadeias de necessidades econômicas e psicológicas onde as
pessoas possam se relacionar livremente como desejarem e consentirem
mutuamente. Porém, mesmo sendo essa nossa luta e sabendo que a igualdade
de direitos civis para homo e transsexuais não acaba com a opressão,
não somos indiferentes ao fato de que, para alguns, o casamento
significa proteção legal e econômica de seu/sua parceirx, assistência
médica, salário familiar, direitos trabalhistas com x cônjuge, etc.,
ainda que para a grande maioria da população que trabalha sob condições
precárias, terceirizadxs, sem direitos sociais ou aposentadorias, nem
essas possibilidades legais existam.
Nos organizarmos para conquistar nossos direitos
No Brasil estão abertas inúmeras questões referentes aos
homossexuais e precisamos nos organizar para garantir nossos direitos. A
luta contra a impunidade, o combate ao projeto de lei que visa
legalizar a ’cura-gay’, a garantia de uma educação sexual que prime pela
diversidade nas escolas e a defesa do casamento igualitário em plena
igualdade de direitos são algumas das bandeiras que hoje movimentam os
homossexuais e vem pautando recorrentemente os debates políticos
nacionais. Não podemos confiar que o Estado vá acabar com esses crimes,
menos ainda que a polícia possa assegurar nossa defesa quando sabemos
que são estes os primeiros a ridicularizar, humilhar, agredir, acobertar
ou diretamente assassinar xs homossexuais e, principalmente, as
travestis, nem podemos nos iludir que a aprovação da PLC 122 venha a
inibir os crimes de ódio se se mantém esse clima de ataques ideológicos e
de moral reacionária aberta sem nenhuma resposta a altura. É necessário
que xs homossexuais saiamos da passividade imposta hoje pelos
dirigentes dos movimentos, que fizeram das Paradas Gay um espaço a
serviço do capital e das grandes empresas de turismo e comércio.
Precisamos voltar a nos organizar como fizeram em 1969, em Stonewall,
encabeçadxs pelas travestis, em uma rebelião espontânea contra a
repressão policial e durante toda a década de 70 com grupos que buscaram
se organizar e se unificar com os demais setores oprimidos, mulheres e
negrxs, para se defender e para lutar pelos seus direitos, buscando,
como o grupo SOMOS, durante o ascenso operário do ABC no Brasil, a
aliança com os metalúrgicos, tendo sua delegação sido ovacionada pelos
operários que entendem que a discriminação só serve para debilitar nossa
unidade contra a exploração e opressão que sofremos.
É uma tarefa primordial para a esquerda no Brasil se
colocar na linha de frente da luta contra a impunidade desses crimes, é
necessário colocar as organizações de direitos humanos, as entidades
estudantis, mas especialmente os sindicatos que a esquerda dirige, na
linha de frente da luta pela punição dos responsáveis pelas inúmeras
mortes de homossexuais. A cada 3 dias dois homossexuais são
violentamente assassinados no Brasil, de acordo com dados oficiais, e
sabemos que é muito mais, pois muitos crimes claramente de homofobia são
enquadrados como latrocinio, como o caso do adolescente Lucas, de 15
anos, de Volta Redonda. Precisamos nos organizar para marcharmos nas
ruas exigindo o fim da impunidade aos assassinos, agressores, ideólogos,
pastores e parlamentares que fazem apologia à homofobia e à violência
contra xs homossexuais, exigir direito de união civil e adoção
igualitários e uma educação sexual nas escolas que seja organizada pelos
grupos de ativistas do movimento homossexual e de mulheres! É nas ruas
que vamos garantir nossos direitos, nossos corpos, nossos prazeres e
nossas vidas, nos organizando por fora das direções tradicionais que
vêem no movimento homossexual uma fonte de renda nas ricas Paradas Gays e
nas vantagens e privilégios garantidos pelas mesmas. Paradas essas que
são extremamente lesbofóbicas, misóginas e machistas. Como diziam, na
França, na década de 70, xs homossexuais organizados na Frente
Homossexual de Ação Revolucionária (FHAR): "Uma boate, o
reinado da grana, ali se dança entre homens, ali uns apreciam os outros
como mercadoria: a sociedade hetero-policial nos tem de volta". É hora
de gritarmos novamente para a sociedade: "os gays estão nas ruas! Viva a
revolução total!"
Direitos Humanos |
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Contato: ler-qi@ler-qi.org |
Atitude LGBT Social
domingo, 8 de julho de 2012
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