Atitude LGBT Social

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

ISTOÉ: Eles (as) estão entre nós



24/01/2011 | 14:14 |



Na tevê, na moda, no atendimento público - os transexuais ocupam espaço na sociedade, que procura se adequar a eles

Débora Rubin e Patrícia Diguê

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NA TEVÊ
Ariadna, a primeira eliminada do “BBB 11”:
coragem e preconceito

Um beijo e um paredão. Em uma mesma semana, dois transexuais chamaram a atenção do Brasil. Lea T., a modelo brasileira lançada pela Givenchy, apareceu na capa da revista “Love” beijando o ícone fashion Kate Moss. Em seguida, Ariadna, a primeira participante a deixar o “Big Brother Brasil 11”, gritou em rede nacional, com orgulho: “Sou a primeira transexual a participar do BBB.” Sim, os transexuais estão cada vez mais inseridos na sociedade, seja de forma silenciosa, como anônimos trabalhando em empresas e repartições públicas, seja nas páginas dos jornais como celebridades.
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NA MODA
Lea T., a embaixadora dos transexuais brasileiros,
na capa com a top Kate Moss: beleza e glamour

Por trás dessa gradual mudança, está a luta que os movimentos homossexuais e transexuais vêm travando ao longo das últimas décadas. Mas também um sistema de saúde que começa, enfim, a atender essa parcela da sociedade. O Hospital Estadual Pérola Byington, de São Paulo vai oferecer cirurgias gratuitas para os homens trans, ou seja, mulheres que desejam retirar trompas e útero para se adequar ao gênero masculino. Trinta pessoas já estão esperando pela cirurgia. Uma delas é o paulistano Alexandre Santos, 38 anos, nascido Alexandra. Xandão, como é conhecido, pergunta se não tem como “passar um photoshop” na foto que vai ser publicada. É que o peito, maior símbolo do corpo feminino, incomoda. Ele só usa camisas largas e mal sabe o que é um sutiã. “Tirar meus seios será como tirar um câncer”, desabafa.

A cirurgia de mudança de sexo foi liberada em 1997 pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) em caráter experimental, de modo que até ser regulamentada, no ano passado, só hospitais universitários e particulares se arriscavam a fazê-la. “Antes de 1997, os trans tomavam hormônios por conta própria e faziam cirurgias no Exterior”, diz Alexandre Saadeh, psiquiatra e coordenador do Ambulatório de Transtorno de Identidade de Gênero e Orientação Sexual do Hospital das Clínicas (HC), de São Paulo. Há 13 anos trabalhando com transexuais, é Sadeeh quem libera laudos autorizando as cirurgias no HC. Hoje, existem apenas quatro centros de referência em cirurgia no Brasil. O Pérola Byington quer ser mais um deles. “Pretendemos realizar até oito cirurgias por mês”, afirma Luiz Gebrim, diretor do hospital.

Para atender esse público, a instituição fechou uma parceria com o Ambulatório de Saúde Integral para Travestis e Transexuais de São Paulo. O Ambulatt faz o acompanhamento psicológico de até dois anos e prepara o laudo para a cirurgia. O serviço foi criado em 2009 pela Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo por uma questão de humanidade. O chamado “público TT” (travestis e transexuais) evita procurar postos de saúde com medo de ser maltratado. “Há desde funcionário que insiste em chamá-los pelo nome de registro até médicos que se recusam a atendê-los”, conta Maria Filomena Cernicchiaro, diretora do Ambulatt.

Se do ponto de vista da saúde os avanços são significativos, pelo lado jurídico as conquistas são mais demoradas. Mudar o corpo e o documento são dois dos maiores desejos dos transexuais. Hoje, para substituir o nome e o sexo na identidade é preciso antes fazer a cirurgia, mas os juízes, no entanto, estão mais sensíveis à causa. A paranaense Carla Amaral, 38 anos, conseguiu um feito: alterou seu nome e sexo na identidade antes mesmo de conseguir entrar no bisturi. A vida, agora, é outra. “Não tenho mais vergonha de ir ao banco ou fazer um curso. Antes, eu ouvia chacotas e saía chorando”, recorda ela. “Agora as pessoas são obrigadas a me chamar de Carla, mesmo que achem alguma coisa estranha.” Ser reconhecido como homem ou como mulher é mais uma questão de documento que de cirurgia, acredita a socióloga Berenice Bento, uma das maiores especialistas no tema e autora do livro “A Reinvenção do Corpo – Sexualidade e Gênero na Experiência Transexual” (Editora Garamond). Na Espanha, cita, existe a Lei de Identidade de Gênero. “Com um laudo médico é possível fazer a mudança de nome em um cartório.”
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NAS RUAS
Alexandre (à esq.), nascido Alexandra, espera por mudança de sexo
em hospital público. Michelly X (à dir.) não quer ser operada,
mas aparecer como mulher nos documentos

A agilidade na mudança de nome também resolveria a vida dos travestis, transexuais que não fazem questão da cirurgia, mas que querem mudar de nome. Michelly X,. nascida Alexandre, não quer ser operada. Gosta de ser o que é – mulher, mas com o genital masculino. A estilista é casada há 16 anos com um homem e conta que só não passa por grandes constrangimentos com o RG porque na foto ela aparece como uma mulher. “E linda, por sinal”, brinca Michelly, que no ano passado representou o Brasil no Miss International Queen, na Tailândia, país referência como o melhor lugar para se fazer cirurgia (onde Ariadna, do “BBB”, fez).

A barreira mais difícil, no entanto, ainda é o preconceito. A exclusão começa cedo, na escola, quando eles são chamados de “gays” ou “sapatões”. Muitos acreditam ser homossexuais, mas percebem que alguma coisa ainda está errada. “Só quando me vesti de mulher é que me encontrei”, diz Michelly. Poucos também são aceitos e acolhidos pela família. Carla foi colocada para fora de casa aos 13 anos de idade, por exemplo. Ter um transexual num dos programas mais populares da tevê é comemorado pelos especialistas. Assim como o sucesso internacional da modelo Lea T., a primeira modelo transexual a entrar no ranking do Models.com. Também conhecida por ser a filha do ex-jogador de futebol Toninho Cerezo, Lea T., que aguarda para fazer a cirurgia, vem desfilar no São Paulo Fashion Week. “Os trans estão cada vez mais aceitos. Ficou no passado aquela visão de que transexual ou era prostituta ou cabeleireiro”, acredita Sadeeh, do HC. Mas ainda há muito o que ser feito. “Não deixa de ser curioso que o primeiro transexual do “BBB” tenha sido também o primeiro eliminado. Eles estão mostrando mais a cara, mas a sociedade ainda se recusa a olhar para eles”, afirma Berenice Bento. Em outras palavras, eles estão adequando seus corpos e documentos. Agora só falta a sociedade se adequar a eles.

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Reprodução ISTOÉ

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