Atitude LGBT Social

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Homorrealidade: Reflexões sobre o preconceito: "

Reflexões sobre o preconceito


Por Leonardo Tenório
Primeiro deixar claro que o texto presente não tem valor de dissertação ou artigo científico. E justificar que, como livre-pensador, tenho o direito de filosofar um pouquinho.

Andei pensando, quebrando a cabeça mesmo para entender um pouco como funciona o preconceito na cabeça das pessoas. Obviamente é uma característica cultural. Se aprende com a família e com a convivência em sociedade. Logo, é adquirido. Tudo que é adquirido pode ser desaprendido, retirado, desconstruído. Eis a questão aí. Não é fácil desaprender o preconceito, e, na minha opinião, como vocês vão ver, chega a ser uma questão de "inteligência".

Mecanismo do preconceito: julgamento inadequado
Como funciona o preconceito? Bom, na minha cabeça é um julgamento inadequado, causado por um ponto de vista distorcido ou limitado demais. Por exemplo um ponto de vista distorcido: "É lésbica porque nunca teve um homem de verdade na vida". Não é bem assim, óbvio que não. Tanta gente sabe que homos são homos desde criança, e um bom hétero para eles não faz diferença alguma. Um ponto de vista limitado: "Todo negro é pobre e ladrão". Sabemos que não é das coisas mais incomuns, mas não são todos. Tem muitos bem esforçados e honestos, fato isso.

Infelizmente vejo o comportamento e o julgamento preconceituoso como uma espécie de violência: social e psicológica. Para mim há quatro níveis diferentes de expressão do preconceito.

Primeiro, que pode nem ter expressão social, mas apenas dentro da "cabeça" do indivíduo preconceituoso é o da inferiorização do "grupo" a ser mal julgado. Raramente alguém diz, ao estilo hitleriano: "Negros e judeus são inferiores". Em geral são expressões e frases "mal colocadas", que acabam transparecendo: "Aquela garota de cor", ou "Alguém pode me dar uma explicação razoável por que posso chamar gay de veado, gordo de baleia, branco de lagartixa, mas nunca um negro de macaco?" (Danilo Gentili). É, imagina. Se negros são iguais a macacos, e macacos são animais mais primitivos que seres humanos, então negros são primitivos, ou seja, inferiores. E porque o termo "de cor"? Todos têm cor na pele, até mesmo os albinos. "Homem invisível", só no cinema.

A atitude de discriminação, é uma classificação ou tipificação acompanhada de inferiorização e exclusão. Até porque há as "tipificações" sem inferiorização, a exemplo dos gays que chamam-se entre si de "veados" e "bichas" - mas a intenção e a ideologia passada através do discurso, nesse caso, não é de inferiorização. Quando alguém diz "Juiz veado, filho duma puta!" tem a intenção de deixar claro que esse juiz é "ruim", e deveria ser marginalizado. "Tão ruim" e "tão marginalizado" quanto deveriam ser os "veados" os "filhos de prostitutas". Óbvio que não é uma agressão direta. Mas é indireta, em geral passada pelo discurso, e serve para a manutenção do preconceito contra os "veadinhos" e as "profissionas do sexo". Tem o lado também da expressão idiomática - o palavrão que tem como função "chocar" -, mas não deixa de ter essa função social do preconceito também.

Enquanto a discriminação fica no discurso, a exclusão aparece nas relações sociais. É aquele tal de excluir uma pessoa de classe social mais baixa da conversa ou da formação de opiniões, da tomada de decisões. Ou sequer pensar na possibilidade de se envolver amorosamente com uma pessoa negra, ou asiática, ou de ascendência italiana ou eslava, ou mais acima do peso, ou mais abaixo do peso, ou muito alta ou muito baixa ou qualquer outra coisa. É o não contratar (e quem sabe demitir) alguém por determinada característica fenotípica ou de sexualidade. É o "evitar". É excluir...

A pior expressão do preconceito é a hostilização do ser humano, coitado, por uma característia intrínseca a ele. A violência se transforma em assédio moral (tortura psicológica), em crime de constrangimento (pôr para fora de um bar dois homos), ou difamação (uma amiga minha está passando por isso, e só porque é lésbica), ou espancamento, estupro, ou quem sabe morte. Chegando neste ponto você pensa o quanto uma ideologia pode se materializar negativamente nas relações sociais. Não é coisa pouca, não. Isso muda a vida das pessoas completamente. Levam homossexuais a levarem uma vida dupla e escondidos, leva um monte de gente por aí a ter menos oportunidades na vida. Leva as mulheres a receberem proporcionalmente menos salário que os homens.

São julgamentos tidos como "certezas absolutas". Nem por isso há uma maldade grande interna nos indivíduos preconceituosos. Às vezes até há vontade de mudar, mas também uma tal de "inoperância" nesse sentido.

Cegueira voluntária ou involuntária: questão de inteligência

Vejo a justificação da "imutabilidade" do preconceito como uma questão de inteligência - mas os tidos como "inteligentes" não são imunes a cargas culturais obviamente. Trata-se de inteligência, eu digo, pois inteligência não é medida em "QI" (inteligência lógico-matemática e verbal-linguística). Quem sabe o conceito inteligência ultrapasse a Teoria das Inteligências Múltiplas, de Howard Gardner. Esse não o nosso objetivo, conceituar inteligência.

Mas vejamos como parece coisa de quem tem a mente mais "evoluída" ou "sofisticada" aceitar, compreender e tolerar seres humanos, independente de algumas de suas características. Veja bem como compreender que há cisgêneros, intergêneros e transgêneros, que podem ser homossexuais, bissexuais ou heterossexuais (e mais possibilidades além disto) parece mais complexo que apenas conseguir imaginar ou conceber um mundo com homens masculinos e mulheres femininas genéticos e heterossexuais.

Quanto à ideologia mantida com base em preceitos religiosos, uma cultura de intolerância, exclusão, por vezes violência (como no caso da guerra entre Israel e Palestina), é outra falta de "dose de inteligência". O ser humano nunca se questionar sobre a credibilidade de uma instituição religiosa que professa coisas contraditórias ou absurdas na prática e começar a pensar por si mesmo parece "não muito sofisticado intelectualmente" e "pouco coerente". É aquela velha história do livro dos Leviticos na bíblia. Mas o mundo tende à desdogmatização religiosa pela cultura da globalização e do cosmopolitanismo, ainda bem.

Por falar em coerência... Imagina, tanta gente idolatra ou admira Kurt Cobain, Janis Joplin, Cassia Eller, Elis Regina, Cazuza, Renato Russo - e eles morreram de overdose ou de aids. Mas se souber que um filho é usuário de drogas, vai querer bater, xingar, expulsar de casa. Se souber que fulano que trabalha ali é "aidético", vai querer evitar até chegar perto e sentar no mesmo banco que o portador de vírus da aids.

Pois é, parece evidente a necessidade de questionamento e de ajuste, de melhora nos parâmetros de criticidade sobre determinada crença em muitas pessoas. Citando uma frase-tema de uma parada da diversidade aqui de Pernambuco: "Preconceito machuca, amar não". É. Amar uma pessoa do mesmo sexo não machuca nem mata ninguém. Mas odiar e "apologizar" esse ódio a homossexuais mata sim.

Relações ecológicas
Por último, pensar em relações ecológicas intraespecíficas. No nosso caso, dos seres humanos, vivemos em sociedade. E mesmo dentro da sociedade, há relações de competitividade, mas também de cooperativismo. Daí se explica muita coisa sim.
Numa sociedade preconceituosa, ser branco, rico, heterossexual, homem e não adepto de "hábitos excêntricos" (e. g. fumar maconha, praticar BDSM etc) é mais favorável na manutenção de um alto cargo numa empresa. Mas, absolutamente, há coisas que se adquirem, há coisas que são inatas. Às vezes a gente não escolhe ter nascido assim, o que somos nem causa défict em nada, e somos vítima de preconceito. Ou seja: injustiça, por valores distorcidos.

Lembrando que somos nós mesmos que fazemos a sociedade ser o que é. Não dá para viver inferiorizando os outros, mesmo que essa alguém tenha uma deficiência. É uma política cruel de vida. Às vezes união e cooperação nos trazem coisas muito mais positivas do que o ódio e a discriminação. De qualquer jeito, é tudo ser humano. Estamos num mundo em que temos apenas uma característica em comum com todos: ser diferente, exclusivo.

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