Na direção contrária às ciências naturais e ao pensamento comum, apresentamos a teoria antropológica sobre a questão de gênero, nas quais o feminino e o masculino são sobretudo construções sociais
Maysa Rodrigues*
No dia 13 de dezembro de 2010, faleceu a socióloga, professora
e pesquisadora Heleieth Iara Bongiovani Saffioti, reconhecida
internacionalmente por seus estudos sobre as questões de gênero e
direito das mulheres. Professora da Unesp e da PUC -SP, Heleiteh
Saffioti publicou o livro Gênero, Patriarcado e Violência (Fundação Perseu Abramo, 2004) .
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UM MUNDO PÓS-GÊNERO?
A filósofa Judith Butler* em sua obra Problemas de Gênero,
agrega aspectos do pensamento de Foucault e de Lacquer para afirmar que
gênero é sempre um ato performativo, que se constitui apenas nas o
feminino e o masculino. Assim, travestis e drag queens evidenciariam a natureza performática do feminino e sua artificialidade, inclusive nas mulheres.
Para a autora, se gênero é performance, longe de se desenvolver
livremente, é regulado por uma matriz que pressupõem coerência entre o
sexo biológico, as atuações de gênero, o desejo e a prática sexual.
Assim, pessoas com a genitália feminina devem ser mulheres que têm
desejo por homens e que devem manter relações sexuais e afetivas
exclusivamente com o sexo oposto. Além disso, não seria possível em
nossa sociedade a inexistência de qualquer performance de gênero pelos
indivíduos, uma vez que o pensamento ocidental, além de incapaz de
aceitar as descontinuidades e incoerências provenientes das
subjetividades que não se adéquam à norma, também seria inábil em parar
de localizar os sujeitos em relação às opressoras categorias de feminino
e masculino. Assim, mesmo que os indivíduos subvertam alguns aspectos
dessas regras, ainda estariam se posicionando em relação a elas.
Apesar da visão antropológica que propõe uma igualdade radical entre
os sexos, Butler parece apontar para uma dificuldade em nos
desvencilharmos das categorias de gênero, que seriam ordenadoras de
nosso pensamento. A persistência se afirma em um mundo que, ao mesmo
tempo em que muda, continua reiterando as barreiras entre homens e
mulheres.
Ainda assim, mesmo que a crítica da Antropologia não implique em uma
verdadeira libertação das amarras mais profundas em relação aos papéis
de gênero - tão pouco no fim da opressão das subjetividades humanas
dissidentes e na aceitação das múltiplas formas de sexualidade -, a
disciplina fornece, certamente, um intenso estímulo ao nosso pensamento e
à nossa capacidade de conceber um mundo diferente daquele que se
apresenta aos nossos olhos, especialmente a partir do contato com outras
realidades culturais que nos maravilham com suas vastas possibilidades.
*Judith Butler » Filósofa norte-americana e professora da Universidade de Berkeley, contribuiu decisivamente para os estudos sobre gênero e teoria feminista. Seu livro Problemas de Gênero é tido como uma obra fundamental sobre a questão. É desde 2007 integrante da American Philosophical Society. |
O contraponto da psicanálise As teorias antropológicas sobre gênero em alguns momentos concorrem e em outros se completam com as perspectivas de outros campos do saber como, por exemplo, o da História, o da Filosofia, o da Psicologia e o da Psicanálise. Esta última oferece uma série de reflexões sobre a formação da personalidade, inclusive em sua interface com o gênero. Em uma conversa com a psicóloga e psicanalista Magdalena Nigro, professora do curso de especialização em Sócio-Psicologia da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, tentamos nos aproximar da teoria psicanalítica: Homens e mulheres são diferentes do ponto de vista psicológico? Cada ser humano possui uma estrutura de personalidade própria. Segundo Freud, essa estrutura é composta pelo "id", "ego" e "superego". O "id" é o domínio da pulsão, do desejo. Porém, a realidade impõe limitações à satisfação do desejo, por exemplo, por meio das experiências de espera. Dessa maneira, do confronto do "id" com a realidade forma-se o "ego", que inicialmente é algo corporal e depois se torna uma estrutura psíquica. Já o "superego" é uma consequência do Complexo de Édipo e introduz a lei na vida da criança. Porém, a estruturação da personalidade ocorre de forma única em cada sujeito. Assim, as diferenciações de gênero aparecem ao longo do desenvolvimento do sujeito, em função desse processo de estruturação da personalidade. Então, não nascemos sujeitos com gênero. Há um processo que causa essa diferenciação? Nascemos com diferenças anatômicas. O corpo do homem e o corpo da mulher são diferentes. Mas a identidade de gênero, masculina ou feminina, é algo que no entendimento da psicanálise vai sendo construída ao longo do tempo, como consequência das vivências do sujeito na vida familiar e social. O bebê quando nasce recebe um nome de mulher ou de homem, segundo seu sexo biológico. Dessa forma será identificado como sendo do sexo feminino ou masculino. Porém, a identificação sexual e a identidade de gênero serão constituídas a partir das identificações, fundamentalmente, com o pai e com a mãe. Imitando o pai ou a mãe, brincando de professor/a, médico/a, etc., o menino e a menina ingressam no universo do feminino e do masculino por meio da identificação com essas figuras. No final do complexo de Édipo, a menina se identifica com a mãe, como mulher, e o menino com o pai, enquanto homem. Assim, projetam-se no futuro, para fora de sua família original, como homem ou mulher, iniciando seu caminho para a feminilidade ou masculinidade. |
REFERÊNCIAS
BUTLER, Judith. Problemas de Gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
MAUSS , Marcel. "As técnicas do corpo". In: Sociologia e Antropologia. São Paulo: CosacNaify, 2003.
MEAD , Margareth. Sexo e Temperamento. São Paulo: Perspectiva, 2000.
* Maysa Rodrigues é jornalista
http://sociologiacienciaevida.uol.com.b
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